Um breve relato da história econômica brasileira

O texto abaixo é o capítulo V da parte 1 do meu livro Método para a Educação Financeira: da Sensibilização à Ação.

O Brasil é um país jovem, mas que já viveu tantas situações econômicas que o fizeram amadurecer ao longo dos anos. Moedas foram tantas que muitos não se lembram nem mais quais foram, porém o REAL, criado em 1994, foi a moeda que deu certo, pelo menos até agora.

O problema inflacionário no Brasil é antigo, mas vivemos o auge na segunda metade do século XX. Em nossa independência (1822) D. Pedro já cunhou moeda para custeá-la, ou seja, nos tornamos livres e endividados. Mas vamos conversar sobre nossa política econômica somente após o fim da ditadura militar em 1985. Em 1986 com o primeiro presidente não militar no poder surgiu o Cruzado, moeda que prometia acabar com a inflação. Ilusão, na década de 80 do século XX vivemos os anos de maior inflação deste país, anos eu diria assombrosos, anos da hiperinflação. Nasci no ano de 1979, era criança durante o mandato do presidente José Sarney, minhas lembranças são vagas, mas elas existem.

Sarney foi à TV anunciar seu plano econômico mirabolante, mirabolantemente maluco: criação do Cruzado, perfumaria na moeda ao cortar três zeros, conversão do cruzeiro para o cruzado, aumento do salário mínimo em 15%, congelamento de preços e correção dos salários quando a inflação chegasse a 20%; entre outras medidas.

Aumento de salário sem lastro gera inflação, isto me parece óbvio hoje, mas parece que em 1986 não era.

O plano começou a naufragar apenas três meses depois, não foi aprovado nem no período de experiência eu diria, fazendo uma analogia com os contratos de trabalho regidos pela CLT. A população comprou compulsivamente devido aos preços estarem congelados e os produtos começaram a faltar. O cidadão sacou o dinheiro investido e viajou, reformou ou equipou a casa. Meus pais aproveitaram a estabilidade monetária para comprar à tão desejada máquina de lavar roupa. Congelar preços foi uma medida que não funcionou, mesmo com barreiras à importação muitos produtos ou matérias-primas de produtos precisavam ser importados, e lá fora os preços não estavam congelados.

A alta demanda gera inflação, mas com os preços congelados por decreto não havia inflação, pois não existia aumento de preço. Tudo isto em teoria, porque na prática o ágio no preço existia, quando não um mercado secundário. O plano Cruzado teve sua morte decretada em novembro do mesmo ano. Ele teve uma versão 2.0 logo em seguida que também afundou.

Em 1987 surgiu o plano Bresser, sobrenome do recém-empossado ministro da Fazenda Luiz Carlos. Antes disso, alguns dos loucos que governavam o país, com o aval do presidente Sarney, decretaram a moratória da dívida externa. O Brasil passou a ser um país caloteiro. Logo a dívida foi renegociada, mas tal política descabida sujou ainda mais o nome do Brasil no cenário mundial e passamos a ser vistos com um país pária. O plano Bresser é claro que fracassou, e pelos mesmos motivos do plano Cruzado. Neste os empresários já estavam espertos e remarcaram os preços antes do anúncio do novo plano econômico. A tática era ter preço alto e vender com desconto, o que me parece foi aprendido com maestria pelas lojas de magazines de hoje que não cobram juros no produto parcelado e sim concedem desconto no preço à vista. A estratégia é a mesma, apenas com uma roupagem diferente.

Em dezembro de 1988 a inflação já era de aproximadamente 30% ao mês.

Em janeiro de 1989, último ano do governo Sarney, surgiu um novo plano de nome bem sugestivo: Plano Verão, afinal era verão. Os mesmos erros de sempre: gastos em excesso do governo e congelamento de salários e preços; e claro, mudança no nome da moeda, agora para Cruzado Novo. Também mais uma medida de perfumaria ao cortar mais três zeros.

Apesar de uma gestão tão ruim o povo brasileiro, que não desiste nunca, continua acreditando no senhor José Sarney, tanto que ele permanece no cenário político até hoje.

Em 1990 tivemos novo presidente, o salvador da pátria Fernando Collor de Mello. Foi o primeiro presidente eleito pelo voto direto. Ganhou explorando o medo da população, principalmente da classe média, pois ele afirmava que seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, iria confiscar propriedades e demais bens da população. Neste ano eu chorei com o Brasil sendo eliminado da Copa do Mundo pela Argentina. Passe da Maradona e gol de Caniggia, 1 a 0 Argentina e Brasil fora da Copa. Eu tinha 11 anos.

Collor tomou posse em março e a inflação neste mês bateu recorde: 83%.

Ele é conhecido até hoje como o presidente que confiscou o dinheiro da caderneta de poupança. O plano Collor reteve os valores depositados no investimento e também nos fundos com títulos públicos que tinham rentabilidade diária: overnight. As consequências foram trágicas, a medida executada na calada da noite pegou a todos de surpresa. Empresas não puderam pagar seus funcionários porque o dinheiro estava bloqueado, os cidadãos, que tinham compromissos assumidos, não puderam honrá-los pelo mesmo motivo. O caos foi geral e suicídios e infartos não foram poucos, foram muitos. O dinheiro ficou encarcerado nas aplicações financeiras por 18 meses. O plano Collor foi anunciado pela ministra Zélia Cardoso de Mello: cada cidadão só poderia sacar dos valores depositados a quantia de 50 mil cruzados novos, o que excedesse este valor seria expropriado pelo governo por 18 meses e depois devolvido em 12 parcelas. Em bom português, o governo roubava seu cidadão. O plano também mudou novamente o nome da moeda que voltou a se chamar Cruzeiro e congelou preços. A intenção era conter a inflação tirando o dinheiro de circulação e fixando o preço das mercadorias. A inflação não foi contida e o plano Collor foi a política mais esdrúxula que tivemos, onde nem os melhores roteiristas de Hollywood seriam capazes de imaginar algo tão complexo e fora de sentido.

Para ser justo com o curto governo Collor vou lembrar que foi ele que acabou com a reserva de mercado, iniciou as privatizações que continuaram no governo Itamar e aceleraram-se no FHC, e reduziu tarifas de importação. Medidas ousadas que permitiram a indústria brasileira se modernizar e assim avançar.

O governo Collor acabou em 29 de dezembro de 1992, a câmara dos deputados aprovou o pedido de impeachment do presidente e ele foi deposto assumindo seu vice: Itamar Franco.

Assim como José Sarney, Fernando Collor de Mello continua presente no cenário político até hoje.

Vejo que o grande erro de todos estes governantes foi confundir coragem com insensatez. Atitudes irresponsáveis foram confundidas com atitudes corajosas, coisas completamente diferentes.

Com Collor destituído assumiu Itamar Franco. Em 1993 assumiu como ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso com a tarefa de estabilizar a economia brasileira e controlar a inflação. O brasileiro aguentaria mais um novo plano econômico? Já tinham sido tantos e todos eles haviam naufragado.

Lembro que nossa dívida externa já havia sido renegociada.

O novo plano econômico começou bem: cortando despesas públicas. Um governo que gasta além do que arrecada ajuda a gerar inflação. A abertura comercial iniciada no governo Collor avançou; barreiras à importação foram retiradas e mais, muito mais, privatizações aconteceram.

Meses depois o ministro da fazenda tinha maior popularidade do que o próprio presidente da república. Nomeou para presidente do Banco Central Pedro Malan, homem responsável até o momento pela renegociação da dívida externa brasileira depois do calote anunciado pelo presidente José Sarney. No primeiro dia do mês de março de 1994 por meio de uma medida provisória foi criada a URV (unidade real de valor), um avatar da moeda que viria. Uma gambiarra jurídica, pois por lei não é permitida a circulação de duas moedas no país. A URV era uma unidade de medida, apenas um padrão monetário.

Aqui cabe destacar o nome do economista Gustavo Franco, ele teve papel importante na equipe do ministro Fernando Henrique Cardoso na articulação jurídica legal da URV.

A URV causou confusão na cabeça das pessoas, pois não existia de fato, era apenas um indexador, o dinheiro que circula em nossa economia era o Cruzeiro Real, novo padrão monetário criado pelo presidente Itamar através de medida provisória em agosto de 1994. O novo nome foi apenas mais uma medida de perfumaria e diminuição de zeros.

Em 1994 eu tinha 14 anos e lembro bem da URV, a conversão era fácil, logo peguei o jeito sem maiores dificuldades. Lembro também que eu vendia camisetas do Brasil próximo ao estádio do Pacaembu na cidade de São Paulo, era um bico que meu tio me arrumou durante a Copa do Mundo. Conforme o Brasil ia avançando na competição mais camisetas nós vendíamos. A troca da moeda aconteceu no meio da competição e tive que fazer conversões de cruzeiro real para real para vender camisas. A calculadora era ferramenta de trabalho indispensável.

Ao final do mês de março o ministro Fernando Henrique Cardoso deixa o governo anunciando sua candidatura à presidência da república.

No primeiro dia do mês de julho o presidente Itamar foi à TV anunciar a extinção do cruzeiro real e a implantação do avatar URV em moeda, o Real.

O ano de 1994 foi um ano de alegria e tristeza profunda para mim e para a maioria dos brasileiros: perdemos o nosso ídolo maior, Ayrton Senna, e ganhamos o tetra campeonato mundial de futebol nos Estados Unidos. Sentimentos antagônicos em um período tão curto de tempo.

O real não foi imposto goela abaixo na calada da noite, foi anunciado, amplamente divulgado e teve data certa para entrar em vigor, fizemos contagem regressiva. Lembro que logo cedo já saí à caça de uma nota de 1 real, eu estava louco para conhecê-la pessoalmente, até então só a conhecia pela TV. 2.750 cruzeiros reais passaram a valer 1 real.

O real foi fator decisivo para Fernando Henrique Cardoso derrotar Luiz Inácio Lula da Silva e se tornar presidente do Brasil.

A inflação, como uma forte febre foi cedendo lentamente e a nova moeda, o real, venceu a batalha contra o dragão feroz da inflação. Venceu a batalha e não a guerra, a guerra é uma constante, nunca termina. Um país forte, dentre outros diversos fatores, se faz com inflação controlada. Desde 1994 o Brasil tem vencido as batalhas, em alguns momentos o dragão parece querer levantar, mas o ministério da Fazenda juntamente com o Banco Central tem conseguido sucesso na árdua tarefa de manter a inflação dopada e assim quieta no seu canto.

O governo Fernando Henrique também foi marcado pelas dezenas de privatizações, o Estado vendeu empresas: Vale do Rio Doce, Embraer e CSN entre outras. O saldo hoje é positivo, o Brasil caminhou um pouco mais para a visão monetarista. Na época uma linha telefônica era investimento, eram negociadas em pé de igualdade com um lote de 250 metros quadrados. Havia até mesmo a troca de um terreno por uma linha telefônica, mas o mais comum era o aluguel delas. Hoje, depois da privatização, elas são instaladas em sua casa em menos de 72 horas e são gratuitas. Que avanço.

Em linhas gerais o plano real acabou com o vício da indexação econômica onde os preços eram ajustados diariamente de acordo com a inflação; houve um ajuste fiscal, um corte de 22 bilhões de dólares no orçamento; empresas Estatais onerosas foram privatizadas; o cambio foi posto em paridade com o dólar e impostos e tarifas indexados ao dólar comercial; continuidade de uma política menos protecionista quebrando ainda mais barreiras de importação; e aumento da taxa básica de juros, a SELIC.

Para se resolver um problema devemos primeiro diagnosticar sua causa e depois atacá-la. Combater os efeitos gera apenas soluções paliativas e rapidamente o problema renasce ainda mais forte. Nas tentativas anteriores de conter a inflação o problema não foi diagnosticado corretamente e por isto eles não obtiveram sucesso, somente quando se identificou a real causa da inflação e se combateu a raiz dela tivemos uma solução que deu certo.

Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil em dois mandatos, de 1995 a 2002. Não conseguiu eleger seu sucessor vindo a ganhar às eleições o PT.

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente nas eleições de 2002 e governou o Brasil de 2003 a 2010. Seu governo foi marcado pelo equacionamento da nossa dívida externa, onde passamos de devedores a credores do FMI, e pelas ações sociais com a criação de diversas bolsas assistencialistas que ajudou muitas famílias a saírem da pobreza e integrarem a classe “C”, e a ampliação de vagas em Universidades Públicas Federais pelo programa que ficou conhecido como REUNI e em Universidades Particulares pela concessão de bolsas a estudantes através do programa PROUNI.

Ao final de dois mandatos Lula conseguiu eleger sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff.